Texto Curatorial

“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias
(do mundo e as nossas).”
Manoel de Barros
Tratado geral das grandezas do ínfimo

Nesta exposição, apresento parte das minhas investigações pictóricas sobre os laços entre lugar, memória e subjetividade. Esse percurso me tem (re)conduzido à cidade, que assumiu aqui um protagonismo temático – citadina que sou.

Agrada‐me andar sem rumo pelas ruas, e deixar a vista tropeçar, solta, nas texturas urbanas, mergulhada nas mesmices e nos arranjos corriqueiros. Tudo o que é cotidiano me atrai. Aprecio as peças coadjuvantes do cenário, os elementos que estão aí, aos montes, costurando silenciosamente as paisagens da cidade: o fio, o meio‐fio, o meio…

De tão redundantes, resultam invisíveis (ao olho que vê e não nota). De tão familiares, passam despercebidas, mas pontuam a marcha, acomodam – e incomodam – as pegadas, acolhem o olhar que descansa distraído.

E justamente por impregnarem o nosso cotidiano, a ponto de induzirem a uma cegueira por saturação, é que estas imagens são tão potentes! Se por um lado escapam à atenção, por outro se intrometem nas subjetividades.

Hábito – Habito.

Esse é o trocadilho que movimenta os meus pincéis. Nas pinturas, arrisco decifrações, escritas com a sobreposição de erros, acertos e acasos. Nesse percurso, as camadas pictóricas subjacentes afloram, assim como as memórias. Invariavelmente parto de uma fotografia – testemunhos da flânerie. Porém, uma vez iniciada, a pintura domina a marcha.

Em Confissão Criativa, uma frase de Paul Klee traduz a alquimia… “a arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver”. Essa ideia me pegou pela mão e caminha comigo nas ruas. Sigo, com ela, juntando e embaralhando lentes, na tentativa de achar os focos.

Carol Peso