Texto curatorial

Texto curatorial

por Maria Esther Maciel

Nestes tempos em que os limites/liames entre humanos e não humanos têm merecido diversas discussões em diferentes campos do saber, Iago Gouvêa traz à tona, em sua instigante exposição Fístula, algumas reflexões contundentes sobre a questão. 

 Ao tratar, na série In vitro, da cruel realidade dos ratos “de laboratório”, o artista confronta, com seus experimentos ficcionais em cerâmica, as experiências científicas que, sob a égide da arrogância humana, são feitas com animais convencionalmente considerados inferiores na hierarquia dos viventes. Munido de uma inventividade incisiva, ele dispõe poeticamente os ratos cerâmicos em espaços frios e assépticos (próprios dos laboratórios), onde aparecem deformados, dissecados, derretidos, manipulados geneticamente e convertidos em objetos. Evidencia, assim, a situação limite desses pequenos roedores confinados em um ambiente artificial, impróprio para qualquer existência digna.  

Se eles são dados a ver como vidas in vitro, meros corpos inertes dentro de recipientes de vidro e em estado de detritos, não deixam de se configurar também – por vias oblíquas – como bibelôs de porcelana para serem usados como adornos controversos e perversos. Ou seja, oscilam paradoxalmente entre o anômalo e o ornamental, o descartável e o utilizável. Em qualquer dessas condições, sempre coisificados.   

A dimensão de bibelô é reforçada em várias peças, como as que apresentam os ratinhos com partes do corpo em formas de flor, galhos, asas e outros artifícios, numa explícita ironia aos “discursos floridos” que buscam não apenas disfarçar as práticas violentas de assujeitamento dos animais não humanos, mas também justificá-las como imprescindíveis para o bem-estar e a sobrevivência da nossa espécie. Com isso, os próprios conceitos cristalizados de humano e humanidade são desfigurados/reconfigurados pelo olhar crítico do artista.  

Por outro lado, a dimensão vital dessas criaturas de cerâmica não está de todo ausente nas obras. Alguns ratos, sobretudo os que têm olhos, parecem nos pedir compaixão, e a inércia de um ou de outro não deixa de estar atravessada por um movimento perceptível por quem se recusa a vê-los como simples coisas. Se a ironia do artista denuncia a frieza dos laboratórios, sua empatia restaura a dignidade desses animais no caleidoscópio da vida.  

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