Como já se anuncia no título desta exposição, é o Tempo um dos elementos centrais da investigação proposta pela produção de Julia Arbex. Em 10 anos de carreira, a artista vem reunindo obras que não só se valem da passagem do tempo como material de trabalho, mas que também se interessam em tornar esse tempo visível. Ao longo da história, formatamos o tempo em segundos, minutos, horas, dias, semanas, anos, décadas, estações do ano, além de presente, passado e futuro. Essas são medidas de tempo que nosso corpo é capaz de perceber, mas elas deixam de lado um outro tempo, aquele que acontece tão mais rápido ou tão mais lento, que foge à capacidade humana de percepção. E se não percebemos, é quase como se não existisse.
Em Três Tempos, Julia Arbex apresenta pela primeira vez em Belo Horizonte duas séries de sua produção recente e nelas o carvão é o elemento principal. É ele que nos dá a ver o tempo. Na história do planeta, o carvão é uma das matérias presentes desde antes da presença humana, que teve papel importante em diferentes momentos da nossa história até hoje, e que possivelmente seguirá presente para além da nossa presença na Terra. Pensando em outra história, a da arte, o carvão é uma das matérias-primas mais antigas, que se remete à origem dos primeiros desenhos – como nas paredes das cavernas na pré-história, quando o carvão era parte da composição de materiais presentes das cores mais escuras. Com o tempo, ganhou a superfície do papel, e na produção contemporânea, artistas como Julia Arbex trabalham com o desenho e os limites estabelecidos pela sua definição mais tradicional (marcada pelo uso do lápis e do papel), com obras que dialogam com práticas da escultura, performance, vídeo e instalação.
Em Terra Plana (2021) temos um conjunto de sete aquários, de diferentes tamanhos e formatos, posicionados em bases de diferentes alturas. Dentro de cada um deles, vemos flutuando sobre a água, uma massa de carvão. Esses desenhos foram feitos originalmente em carvão sobre papel. Mergulhado no recipiente com água, a massa de carvão se solta do papel e passa a existir flutuando. Já em Deslocamentos Continentais (2022), é como se esse processo ganhasse mais uma etapa. Os mais de 20 desenhos que vemos pelas paredes são resultado de um desenho com carvão feito sobre papel, transferido para um recipiente com água, e recolhido de volta, utilizando uma outra folha de papel. Nessas duas séries, a imprevisibilidade e a impermanência são dimensões que se fazem presentes. Não só porque o carvão reage de maneiras diferentes ao papel e à água, mas também porque quando está flutuando, ele não fica imóvel, gerando desenhos que não podem ser controlados.
É como a estabilidade instável que rege o mundo à nossa volta e talvez por isso os desenhos de Julia Arbex carreguem também um imaginário geográfico e geológico. Durante as conversas para esta exposição, apontamentos sobre as obras e sua organização no espaço expositivo fomos constantemente lembradas do mundo que se move debaixo dos nossos pés. Em dezembro de 2023 e nos primeiros dias de janeiro de 2024, vimos notícias do novo oceano que pode se formando na África com a abertura de uma fenda de 60 quilômetros no deserto da Etiópia, nas fronteiras de três placas tectônicas; dois vulcões entrando em erupção – na Islândia e na Indonésia; e um terremoto de grandes proporções no Japão. Além disso, há dois anos vemos disputas mais evidentes pelo redesenho geopolítico do mundo com os conflitos armados entre Ucrânia e Rússia no Leste Europeu, e Israel e Hamas no Oriente Médio.
Esses princípios de mobilidade constante e redesenho espacial são incorporados nas obras de Julia Arbex também em suas dimensões instalativas, ou seja, na possibilidade de seus trabalhos assumirem diferentes configurações espaciais a cada nova exposição. Na Casa Fiat de Cultura, as duas séries apresentadas são montadas com alturas e intervalos irregulares, incorporando o espaço expositivo e até mesmo o corpo do espectador como parte da obra. Essa dinâmica ecoa a sensação de territórios que esses desenhos expandidos carregam. Em Três Tempos, somos convidados a pensar sobre a história da arte, suas práticas, convenções e lacunas, e também sobre questões geopolíticas e geológicas trazidas à tona.
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