por Daniela Name
Serrapilheira é o nome dado ao conjunto de folhas, frutos, lascas de troncos e galhos que formam uma espécie de tapete fértil no chão da floresta, alimentando as árvores que ali estão e aquelas que podem vir no futuro. Não foi um acaso Raul Leal escolher a palavra para dar título a esta exposição, reunindo em torno dela a coleção de trabalhos apresentados na Casa Fiat de Cultura.
Com formação em pintura, o artista tem se dedicado a uma longa série, “Clareira”, que se debruça sobre a paisagem e também sobre os animais e as espécies vegetais que ainda habitam áreas destruídas ou muito avariadas pelo desmatamento. Leal nasceu em Miracema, cidade do noroeste do Rio de Janeiro que experimentou radicalmente os impactos da lavoura de café e da criação de pastos para a pecuária, e hoje sofre com as enchentes, o aumento da temperatura e as queimadas.
Foi a partir do embate com a tragédia ambiental de seu lugar de origem que o artista provocou transformações sensíveis em seu processo de trabalho. Ele mantém a pintura como linguagem-mãe, tanto na atividade no ateliê quanto na maneira como percebe o mundo, mas agora mergulha de forma destemida em novos suportes, como o desenho, a fotografia e as obras instalativas e de site especific. Faz isso de mãos dadas com a história da arte no Brasil, especificamente com o inventário de imagens produzidas pelos chamados “pintores viajantes”.
Se Eckhout, Rugendas, Franz Post e Taunay documentaram para a Europa o viço de uma natureza farta e exuberante, contribuindo involuntariamente para que as riquezas naturais brasileiras despertassem a cobiça dos então colonizadores, Leal tem interesse naquilo que quase não existe mais, nos refugos, nas nesgas de vida.
Há uma dicotomia entre os dois grupos de trabalhos apresentados em Belo Horizonte. Nas fotos sobre papel, o olhar recai sobre as árvores, secas e solitárias, que se mantêm resilientes na natureza devastada dos arredores de Miracema. Elas são testemunhas da agressão a uma paisagem longe dos eixos estratégicos para o noticiário, das hashtags, da viralização nas redes e da opinião pública. Já nas fotografias sobre madeira, Leal se dispõe a ser também um “artista viajante”, e cataloga mudas de espécimes sobreviventes, que ainda podem reflorestar o deserto naquela região fluminense.
Quando levamos em conta que a fotografia é um vestígio de ausências, de seres fantasmáticos, o que o artista parece propor, com a reunião desses inventários, é fazer uma serrapilheira a partir da latência das imagens e do recalque dos corpos vegetais. Nas séries que se acumulam no horizonte de nossos olhos, o chamado para que façamos dos mortos – e das imagens mortas que são matéria da arte – o adubo que pode transformar pensamento em atitude.
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