O Tempo dos Sonhos: Arte Aborígene Contemporânea da Austrália na Casa Fiat de Cultura

O Tempo dos Sonhos: Arte Aborígene Contemporânea da Austrália na Casa Fiat de Cultura

O TEMPO DOS SONHOS: ARTE ABORÍGENE CONTEMPORÂNEA DA AUSTRÁLIA NA CASA FIAT DE CULTURA

 

A mais abrangente exposição de arte aborígene realizada na América Latina reúne mais de 70 obras-símbolo da perpetuação da tradição artística mais antiga do mundo e incita reflexão acerca da sobrevivência das culturas indígenas

 

De 19 de setembro a 19 de novembro de 2017, Belo Horizonte (MG) conhecerá O Tempo dos Sonhos: A Arte Aborígene Contemporânea da Austrália na Casa Fiat de Cultura. Um acervo de mais de 70 obras, entre pinturas, esculturas, litografias e bark paintings (pinturas em entrecasca de eucalipto). A mostra apresenta a expressão artística contemporânea e narrativas da cultura aborígene com obras representativas das diversas regiões daquele país continente. Toda a programação é gratuita.

A seleção abrange desde a década de 1970, período em que a Austrália deu início a políticas de valorização e resgate dessas comunidades, e de um movimento em prol da difusão de sua rica e diversificada arte. A exposição conta com obras de renomados artistas, como Rover Thomas e Emily Kame Kngwarreye, e já passou por São Paulo, Fortaleza, Rio de Janeiro e Brasília. Depois de Belo Horizonte, seguirá para Curitiba.

A exposição é uma realização da Casa Fiat de Cultura, do Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e do Council on Australia Latin America Relations (COALAR)/Australian Government – Department of Foreign Affairs and Trade. A idealização é da Coo-ee Art Gallery, de Sidney (Austrália), da 2 levels arte & cultura e da CMP – Monarto Productions. O patrocínio é da Fiat, Banco Fidis, Fiat Chrysler Finanças, CNH Industrial Capital, New Holland Construction, Banco Safra, Verde Urbanismo e COALAR, com apoio principal da Caixa e apoio institucional do Circuito Liberdade, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iepha), do Governo de Minas e do Governo Federal.

 

A seleção de obras

A exposição é composta por peças da Coo-ee Art Gallery, a mais antiga e respeitada galeria de arte aborígene da Oceania, por obras de instituições governamentais australianas e de coleções privadas.

Segundo o curador da exposição, Clay D’ Paula, especialista em História da Arte pela Universidade de Sidney, a exposição apresenta a variedade e ​a vitalidade dos estilos artísticos encontrados nas diversas regiões australianas.

As obras selecionadas situam-se entre a abstração e figuração. A maioria dos povos aborígenes utilizam símbolos, e não a linguagem escrita. Por isso, o que pode parecer abstrato para o visitante, para eles representa uma mensagem mística. A estética destes artistas é inspirada em narrativas e histórias repassadas de geração a geração, e exprimem muitas vezes o seu relacionamento com o universo, a natureza e o espiritual.

Ao longo da mostra, é possível perceber as diferenças no design, no estilo e nas cores da paleta dos artistas de cada região. A paisagem presente na arte produzida na região de Kimberly, por exemplo, revela uma terra de grandes contrastes, cheia de rios e cachoeiras. Arnhem Land (Terra de Arnhem) é a região das bark paintings. Em Tiwi Island (Ilhas Tiwi) as obras trazem elementos de design geométrico relacionados a lugares sagrados ou a mudança das estações. Nas obras da região de Balgo, os visitantes poderão observar a presença de cores intensas, muitos tons de verde, roxo e cores brilhantes. Estes trabalhos são denominados “arte do isolamento” por serem produzidos dentro do deserto ocidental da Austrália, área muito isolada dos centros urbanos. Já a arte produzida por aborígenes que vivem nos centros urbanos trazem questões ligadas às mazelas da colonização e à discriminação ainda sofrida por eles.

As diferenças da arte produzida em cada região passam também pelas técnicas utilizadas. A antropóloga e consultora da exposição Ilana Goldstein aponta algumas dessas diferenças: ” materiais que são comumente usados no Deserto Central da Austrália como tinta acrílica, tela e pincéis industrializados não são utilizados pelos artistas da região de Arnhem Land, no norte tropical da Austrália. Os artistas dessa região  preferem usar camadas do tronco do eucalipto nativo, tintas feitas de minerais do solo, pincéis de fios de cabelo e gravetos.”.

As obras selecionadas para a exposição são de artistas renomados, que já tiveram os seus trabalhos expostos no MoMA e Metropolitan de Nova Iorque, Bienais como a de Veneza, São Paulo e Sidney, entre outros eventos de prestígio internacional, como o Documenta, em Kassel. “Essa coleção é um presente à população brasileira. Em um acervo de mais de três mil obras, selecionamos aquelas mais significativas. Muitas já foram publicadas em inúmeros catálogos de arte, citadas em teses de dourado e exibidas em várias instituições de importância na Austrália, Europa e Estados Unidos”, conta o curador brasileiro Clay D´Paula, que assina a curadoria com os australianos Adrian Newstead e Djon Mundine.

Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, José Eduardo de Lima Pereira, trazer essa exposição a Belo Horizonte é um modo de propor reflexões sobre as semelhanças entre aborígenes australianos e ameríndios brasileiros, historicamente oprimidos pelos colonizadores, e de debater a importância do reconhecimento do potencial artístico desses povos. “Austrália e Brasil podem estar distantes, geográfica e culturalmente, mas têm um passado comum, o dos povos autóctones que os habitaram ab origine e tiveram seus destinos violentamente alterados pela colonização. Os artistas aqui presentes dão testemunho de sua continuidade cultural, no âmbito de uma forma de vida social interrompida bruscamente pela chamada civilização, mas que continua viva na expressão artística. Cada um deles se expressa de modo peculiar, mas traz, em sua criação, as referências de uma simbologia ancestral que lhes é comum. Podemos aprender com esses artistas australianos que nos ensejam, com seu trabalho, uma reflexão sobre o que é cultura, o que é arte e, acima de tudo, o que significa, afinal, ser civilizado”.

 

Os artistas

A exposição traz obras de artistas de diversas trajetórias. Existem aqueles que estão mais inseridos na cultura aborígene, com pouco contato com o mundo ocidental, e aqueles ditos “artistas urbanos”, que possuem formação em universidades e se relacionam com a arte contemporânea. Na percepção da antropóloga Ilana Goldstein, “na questão da formalidade, as telas abstratas de artistas valorizados como Emily Kame e Rover Thomas aliam deleite estético com conteúdos cosmológicos/tradicionais, e não pretendem fazer provocações conceituais. Já os artistas aborígenes urbanos, fazem releituras satíricas da história da arte e questionam a lógica do sistema das artes, como no caso de Richard Bell, autor do trabalho “Aboriginal art is a white thing”, e de Lin Onus, que se apropria da gravura “A onda”, do japonês Hokusai.”

Um dos artistas de maior projeção internacional, Rover Thomas (1926-1998), com suas paisagens de cor ocre, mudaram a percepção paisagística australiana. Thomas também foi responsável por um novo ritual nas cerimônias do povo Gija, que consiste em inserir tábuas pintadas no rito já tradicional, inspirado pelo sonho que teve com uma parente falecida, no qual ela o ensinou o novo ritual. Sua tia, Queenie McKenzie (1930-1998), que também está presente na exposição, foi a responsável por começar a pintar as tábuas cerimoniais.

Outra artista de destaque é Emily Kame Kngwarreye (1910-1996), considerada, pela crítica, uma das maiores pintoras expressionistas do século XX. Emily começou a pintar aos 79 anos e se tornou a artista mais querida da Austrália. Ela representou o país na Bienal de Veneza e em outros eventos de arte internacional. Suas obras, que parecem abstratas, trazem elementos como nuvens, água, vegetação e flores do deserto, que compõem narrativas e histórias herdadas de seus ancestrais. Na mostra da Casa Fiat de Cultura, a artista estará representada com dois trabalhos.

Sobrinha de Emily Kame, Kathleen Patyarre (1934) realizou pinturas que retratam mapas mentais das regiões onde caminhou com seus pais na infância. A artista é recordista em convites para exposições.

Lily Nungarayi Hargraves (1930) é uma anciã de sua tribo Lajamanu. Ela é responsável pela cerimônia de iniciação feminina, chamada “O Sonhar das Mulheres”, e já pintou diversas telas relacionadas a este ritual, inclusive a que está presente na exposição. Suas obras já foram expostas na França e Estados Unidos.

Richard Bell (1953) é um “artista urbano”, de origem Kamilaroi, que se tornou ativista em prol dos direitos das populações indígenas. Suas críticas mais contundentes se dirigiam à folclorização de um aborígene necessariamente negro, “puro” e exótico.

Outro “artista urbano” é Lin Onus (1948-1996), descendente da etnia Yorta Yorta. Falecido precocemente, ele deixou trabalhos com teor histórico, muitas vezes irônicos e provocativos,  caracterizados pela figuração realista. Uma das obras expostas tem inspiração na xilogravura “A Onda”, de 1829, do japonês Katsushika Hokusai. Na recriação de Lin Onus, um cão – herança do colonizador branco – surfa sobre a arraia – animal sagrado – sereno e equilibrado, apesar do perigo iminente. Talvez a tela, em seu conjunto, remeta à capacidade dos povos aborígenes de se reinventarem constantemente, se adaptarem às novas realidades e assimilarem influências de diferentes origens, sem necessariamente perder seu prumo.

Um exemplo da importância da arte aborígene para o mercado das artes, vem do artista Clifford Possum Tjapaltjarrl (1933-2002) da etnia Anmatyerre, que vive no deserto australiano. Ele teve uma tela leiloada por 2,4 milhões de dólares, em 2007, na Southeby’s, arrematada pela National Gallery of Australia. Trata-se de tela produzida em 1977, que condensa diversos fragmentos míticos. Clifford já teve uma obra apresentada no Brasil, durante a Bienal de São Paulo de 1983.

Thompson Yulidjirri (1930) é representante do estilo “raio X”, que traz certa continuidade das pinturas rupestres antigas às bark paintings, imagens executadas sobre entrecasca de árvore. Tal estilo, que usa a representação dos ossos e vísceras dentro dos corpos, como se fossem transparentes pode ser observado na prancha, intitulada Canguru, de 1985.

Além de mostrar as diversas expressões, a exuberância, a vitalidade e a história da arte aborígene ao povo brasileiro, a exposição também estimula a atenção para a arte indígena produzida no Brasil. Enquanto o estilo aborígene é mostrado em vários museus de arte, as expressões artísticas dos indígenas brasileiros são tidas, em sua grande maioria, como artesanato. O Xoha Karajá é um artista indígena brasileiro, da etnia Iny/Karajá. Sua obra foi especialmente comissionada para integrar a exposição. Trata-se de uma mandala, com significado bastante forte: a harmonia entre todos os povos.

 

Sobre as bark paintings

As bark paintings são importantes tipos de arte aborígene, comuns em Arnhem Land, no norte tropical. Foram as primeiras obras aborígenes a conquistar a atenção do público no mundo. Trata-se de pintura sobre entrecasca de eucalipto, conhecida desde o início do século XX e feita com pigmentos naturais, nos tons ocre, branco, vermelho e preto. Suas pinturas carregam complexas simbologias, associadas aos clãs e aos ancestrais. Em geral, as bark paintings são figurativas e funcionam como verdadeiras narrativas visuais que contam passagens míticas. Os pincéis utilizados em algumas delas são feitos com cabelos humanos. Além disso, usam-se pigmentos naturais, com materiais orgânicos.

O curador Clay D`Paula enfatiza que as bark paintings são as formas de expressão artística mais antigas do mundo, e, provavelmente, podem ser datadas do mesmo período das pinturas rupestres, feitas há 40 mil anos. “No entanto, essa forma de arte pode ser tão contemporânea como qualquer outra, e muito aberta à inovação ” destaca. Na Casa Fiat de Cultura, o visitante poderá conferir oito bark paintings.

 

“O Tempo dos Sonhos”

O título da exposição resgata a mitologia aborígene sobre a criação do universo e a forma como esses povos registram o conhecimento transmitido de geração a geração. De acordo com a crença, o “Tempo do Sonho” é uma era sagrada, na qual espíritos ancestrais formaram o mundo e as leis que o regem.

Para os aborígenes, “sonhar” é viver em sintonia com o mundo natural. É aprender com a natureza e as pessoas que os cercam e contribuir para o ensinamento aos mais jovens sobre conhecimento acumulado, em comunidade, ao longo do tempo. O conhecimento é retratado, expressivamente, pelas pinturas e obras, caracterizadas por iconografia peculiar. Para o artista aborígene, pintar os “sonhos” implica transmitir ideias e histórias, a fim de mantê-las vivas. Nessas comunidades, o fazer artístico é, portanto, prática fundamental para transmissão do conhecimento sobre o universo.

 

História da arte aborígene australiana

A arte aborígene é a mais antiga tradição artística contínua do mundo. Antes, tais expressões artísticas eram tratadas como mero ofício dos povos aborígenes, fruto do ato de fazer peças e símbolos que os ajudavam na lida do dia a dia. A partir de 1950, porém, o fazer aborígene começou a ser tratado como arte. Tal história apresenta várias fases que se sobrepõem, e têm fronteiras indefinidas.

A década de 1970 marca o reconhecimento da arte aborígene, que passa da condição de atividade etnográfica à de artes plásticas vivas, com a abertura de dezenas de cooperativas em comunidades indígenas.

Uma das razões da inserção da arte aborígene no mercado internacional das artes foi a iniciativa do Governo Australiano que criou o Aboriginal Arts Board, em 1973. Composto por representantes indígenas, o órgão comprou, regularmente, durante 20 anos, obras para coleções públicas, algumas das quais doadas para embaixadas e museus ao redor do mundo ou inseridas em exposições nacionais e internacionais.

Trata-se de um processo que levou décadas, e só foi possível devido ao engajamento de uma série de pessoas e instituições e em razão da criação de políticas públicas voltadas ao fomento da produção artística indígena.

Hoje, a arte aborígene da Austrália movimenta cerca de 200 milhões de dólares por ano. Estima-se que haja mais de 7 mil artistas aborígenes no país – e que 50% dos artistas australianos tenham descendência indígena. Atualmente, os povos aborígenes fazem as peças com o intuito de produzir arte. Trata-se de peças, pinturas e cerâmicas inspiradas nas tradições indígenas, mas já com o intuito de ser arte e não apenas utensílio ou registro.

“A arte aborígene é sinônimo de resiliência, resistência e afirmação. Existe algo mais contemporâneo que isso?”, ressalta Clay D` Paula.

 

SERVIÇO

Exposição                                                                                                                                                      

 O Tempo dos Sonhos: Arte Aborígene Contemporânea da Austrália na Casa Fiat de Cultura

19 de setembro a 19 de novembro de 2017

Terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h

Entrada gratuita

Praça da Liberdade, nº10, Funcionários | CEP: 30140-010 | Belo Horizonte/MG - Brasil
Tel: +55 (31) 3289-8900
Horário de funcionamento: terça a sexta-feira, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Visitas agendadas sob consulta

TODA PROGRAMAÇÃO DA CASA FIAT DE CULTURA É GRATUITA

Atendimento acessível sob demanda, mediante disponibilidade da equipe.

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