Estão abertas as inscrições para mais um ciclo de Conferências Mutações, idealizado e dirigido pelo filósofo Adauto Novaes, a ser realizado, em Belo Horizonte, na Casa Fiat de Cultura, de 16 de agosto a 6 de outubro de 2011, sempre às terças, quartas e quintas, às 19h30. O investimento para todo o Ciclo é de R$40 (inteira) e R$20 (meia).
O tema deste ano é o “Elogio à preguiça” e vai reunir, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília, 22 pensadores brasileiros e estrangeiros. O Professor Francis Wolff abre o ciclo com a palestra “A apologia grega da preguiça”. Francisco de Oliveira, Marilena Chauí, Sergio Paulo Rouanet, Jean-Pierre Dupuy, José Miguel Wisnik, Antonio Cícero, João Carlos Salles, Francisco Bosco, Jorge Coli, Olgária Matos, Maria Rita Kehl, Luiz Alberto Oliveira e Marcelo Jasmin são alguns dos conferencistas.
A série sobre as Mutações começou em 2007, com o ciclo Mutações – novas configurações do mundo, análise sobre a maneira como a ciência e a técnica estão produzindo transformações em todas as áreas da atividade humana. Em 2008, Mutações – a condição humana analisou o que é viver neste mundo dominado pela tecnociência. No ciclo de 2009, o tema foi o vazio do pensamento, emMutações – a experiência do pensamento,enquanto, em 2010, o debate abordou o papel das crenças ativas e passivas em Mutações – a invenção das crenças. Em 2011, Elogio à preguiçavai refletir sobre a condenação da preguiça pelo mundo do trabalho mecânico e a importância do ócio no desenvolvimento do trabalho intelectual e artístico.
Elogio à preguiça é uma realização da Artepensamento, do Sesc São Paulo, da Casa Fiat de Cultura e da Caixa Cultural e Ministério da Cultura. Tem o patrocínio da Petrobras, co-patrocínio da Fiat e da Caixa Econômica Federal e apoio da Academia Brasileira de Letras, da Associação Pró-Cultura e Promoção das Artes (APPA), do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, da Universidade de Brasília, da Embaixada da França e da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Serviço:
Mutações – Elogio à Preguiça
As conferências serão realizadas de 16 de agosto a 6 de outubro
Às terças, quartas e quintas-feiras, às 19h30, no Auditório da Casa Fiat de Cultura (Rua Jornalista Djalma Andrade, 1250 – Belvedere).
As inscrições podem ser feitas pelo telefone (31) 3224-5350 ou pelo e-mailappa@appa.art.br”>appa@appa.art.br.
Investimento: Ciclo inteiro – R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia)
As Conferências
A apologia grega da preguiça Francis Wolff
16 de agosto
Para todos a preguiça parece um vício. Mas ela só é vício se o trabalho for um valor. Caso contrário, a condenação moral que sobre ela paira não subsiste: a preguiça torna-se repouso, ócio, disponibilidade, independência, liberdade. Este é o caso no pensamento grego.
Se hoje fazemos o elogio ao trabalho e à “transformação da natureza” pelo homem, é frequentemente no intuito de defender o produtivismo (capitalista ou socialista) e a acumulação de bens. E se os maiores moralistas modernos condenam a preguiça é porque advogam em prol das virtudes ascéticas: a luta contra o prazer, o esforço contra si próprio e o sofrimento consentido.
Que preguiça Francisco de Oliveira
17 de agosto
Ao ler meus dois jornais diários, a Folha de S.Pauloe O Estado de São Paulo, vou direto para as páginas dos quadrinhos ou tirinhas que, em muitos casos, estão melhores, mais agudos, mais críticos e até mais ácidos que os jornais inteiros; além das tirinhasquadrinhos, são também indispensáveis Zé Simão, na Folha, e Tutti Vasques no Estadão.
No sábado, 18 de abril de 2011, dava tratos à imaginação pensando o que eu poderia escrever para o ciclo que Adauto Novaes e seu fiel escudeiro, Hermano Taruma, estavam organizando, a essa hora já em plena execução. Os dois nos dão uma dor de cabeça danada, pois seus ciclos estão cada vez mais exigentes, mais filosóficos, e eu não tenho muitos recursos nesse campo; sou um pedestre marxista que tento achar uma brecha para enfiar outra vez meu único tema: a luta de classes e a análise do capitalismo.
Aí encontrei a sugestão no Estadão, na tirinha de Frank & Ernest, de autoria de Bob Thaves, em que um dos seus personagens dizia: “Comecei a desconfiar que quanto mais eu me esforçava, mais a minha vida piorava. Foi aí que parei de me esforçar…” Paul Lafargue não resumiria melhor sua própria obra, O direito à preguiça. E o velho Marx, sogro que detestava o genro Lafargue, morreria de inveja da dialética de Bob Thaves, que numa tirinha só montou a equação da força de trabalho que se escraviza na medida em que se vende.
Três ociosos: Sócrates, Montaigne e Machado José Raimundo Maia Neto
18 de agosto
A ociosidade, entendida como distanciamentodo pragmatismo da vida cotidiana (vida ativa), é frequentemente vista como condição para o exercício pleno do pensamento (vida contemplativa). Em tempos e registros discursivos diferentes, Sócrates, Montaigne e Machado de Assis iluminam aspectos centrais deste tema.
Platão caracteriza na pessoa de Sócrates um modelo de filosofia alternativo à sofística, vista como moral e epistemologicamente prejudicada pela sua estreita vinculação à cidade-Estado. Encontramos no Teêteto, diálogo em que Platão mais expõe a prática filosófica de Sócrates, um texto fundador da visão do filósofo como indiferente ao pragmatismo da vida. A disposição do tempo livre é a primeira condição para o verdadeiro filosofar. O pensamento íntegro fica comprometido quando se é premido pela água da clepsidra (que limita a autodefesa de Sócrates no julgamento que resultou em sua condenação à morte) ou se é obrigado a realizar negócios e tomar decisões.
Dizer sim ao ócio ou “Viva a preguiça!”Oswaldo Giacoia Junior
24 de agosto
A oposição entre apolíneo e dionisíaco remete, em Nietzsche, ao antagonismo entre cultura e barbárie, seu sentido vetorial é a recuperação da totalidade pelo aprofundamento da oposição dilaceradora. Estilo significa para Nietzsche, sobretudo, a potência artística que reúne, compõe e redime as tensões entre as forças opostas, que supera a divisão entre a figura (a linha, a ordem, a medida) e o som (o âmbito telúrico, imaterial, impalpável, da sonoridade), entre a experiência visual e a vivência tonal do mundo.
Por isso, cultura, em Nietzsche, é, antes de tudo,estilo, unidade de estilo, organização do caos. Barbárie, ao contrário, significa a perda do equilíbrio entre a precisão da linha, da figura, do plano, por um lado (a autarquia própria do artista plástico apolíneo); e a indistinção do excesso musical, transbordando todo limite, o arrebatamento e a alternância dionisíaca de consonância e dissonância, de ritmo, melodia e harmonia, que deixam aflorar, para novamente diluir, toda particularização. A tragédia ática é o símbolo desse equilíbrio, realizado pela arte grega em seu apogeu, entre a experiência apolínea do sonho e embriaguez dionisíaca, que reconcilia interioridade e êxtase, poesia e música, absurdo e significação.
Preguiça e ócio na ética iluminista Sergio Paulo Rouanet
25 de agosto
Remanejando ligeiramente as categorias usadas por Hannah Arendt em A condição humana,proponho uma divisão inicial entre vida ativa eociosidade. A primeira abrange duas esferas, a da política e a do trabalho. Suas figuras típicas são o cidadão e o operário. Já a ociosidade abrange três esferas. As duas primeiras, puramente negativas, são o mero inverso das esferas que compõem a vida ativa: é o mundo dos que não participam da vida pública e dos que não têm ou perderam sua ocupação. Suas figuras típicas são o excluído político e o desempregado. Mais importante é a terceira esfera, o ócio. O ócio não é a inversão de um dos segmentos da vida ativa, e sim um espaço próprio, positivo, de reflexão, de contemplação, de liberdade, de contestação, de criação artística e intelectual. Ele é distanciamento crítico com relação às articulações inautênticas da vida ativa – a política rotineira e o trabalho alienado – e com relação aos mecanismos responsáveis pelas formas de ociosidade que não foram livremente escolhidas, mas impostas – a ociosidade dos que foram privados de participação política por regimes ditatoriais e a dos que foram expulsos do mercado de trabalho pelo desemprego.
O tempo que nos resta Jean-Pierre Dupuy
30 de agosto
Em um capítulo-chave do segundo volume de A democracia na América (1840), Alexis de Tocqueville levantava uma questão, cuja pertinência nunca foi maior: “Por que os americanos mostram-se tão inquietos no meio do seu bem-estar?” – perguntava-se. Esta mesma pergunta deveria ser feita hoje em relação a muitos outros povos, além dos povos da América do Norte, sobretudo se lembrarmos sua nota inicial: “É estranho ver com que espécie de ardor febril os americanos perseguem seu bem-estar e como se mostram incessantemente atormentados por um vago temor de não terem escolhido o caminho mais curto para alcançá-lo”. Esse ardor febril, essa inquietação, esse tormento da alma – são sentimentos de todos os povos que optaram por uma forma de desenvolvimento fundamentada em bens materiais hoje.
“O habitante dos Estados Unidos se apega aos bens deste mundo como se tivesse certeza de jamais morrer e se empenha com tanta precipitação em colher o que lhe passa pela frente que se poderia dizer que teme, a cada instante, que a vida se lhe escape antes de que tenha deles aproveitado”, acrescenta Tocqueville. “Ele colhe tudo, mas não conserva e logo deixa escapar das mãos o que conseguiu, para correr atrás de novas alegrias.”
Ócio, labor e obra José Miguel Misnik
31 de agosto
Uma leitura muito superficial de Macunaímadirá que o livro é um franco elogio à preguiça. Uma leitura mais crítica, mas também incompleta, dirá que o livro faz a anatomia satírica dos rasgos negativos do “herói da nossa gente”, verrumando a sua indolência e a sua “incompetência cósmica” (adianto aqui um termo oswaldiano) para a constituição e a consumação de qualquer projeto. O pensamento de Mário de Andrade é, no entanto, agônico, dilacerado e ambivalente, oscilando entre a negatividade que acusa nos impasses de Macunaíma o próprio mal-estar na civilização, e o vislumbre de uma civilização tropical capaz de inverter as prioridades do trabalho e do ócio, da acumulação capitalista e do pensamento mitopoético.
Já Oswald de Andrade, nos seus textos filosóficos finais, entre os quais A crise da filosofia messiânica, vê no declínio do mundo patriarcal o horizonte afirmativo de uma conciliação da técnica com o ócio, uma verdadeira tecnologia de ponta do ócio, pode-se dizer, cuja congenialidade se reconhece na vocação antropofágica brasileira, e que encontraria na América “o clima do mundo lúdico e o clima do mundo técnico aberto para o futuro”.
O contraponto entre os dois autores terá como pano de fundo a reflexão de Hannah Arendt, em A condição humana, sobre as dimensões do labor e do trabalho, isto é, da atividade reprodutiva que garante a subsistência da espécie e da atividade produtora de obras destinadas a durar. Trataremos esse último conceito, o de trabalho, sob a designação de obra, palavra cuja presença anagramática em labor nos incita a explorar as contradições e os paradoxos contidos nas relações entre labor e obra, projetadas no seu vértice oculto, o ócio.
Poesia e preguiça Antonio Cícero
1º de setembro
“Persistimos em crer”, afirma T.S. Eliot, “que um poeta deve conhecer tanto quanto não prejudicará sua necessária receptividade e necessária preguiça”.[1][1]Desse modo, um dos poetas mais importantes e eruditos do século XX reconhece que a receptividade e a preguiça são, para o poeta, qualidades ainda mais importantes do que a erudição. A preguiça receptiva ou receptividade preguiçosa constitui, segundo ele, uma condição necessária da produção poética. Trata-se, portanto, de uma preguiça fecunda para a poesia. Ora, Baudelaire emprega precisamente a expressãoféconde paresse numa estrofe do poema “La chêvelure”, de Les fleurs du mal:
[…]
Je plongerai ma tête amoureuse d’ivresse
Dans ce noir océan où l’autre est enfermé ;
Et mon esprit subtil que le roulis caresse
Saura vous retrouver, ô féconde paresse,
Infinis bercements du loisir embaumé ![2][2]
[…]
Aqui, uma das rimas de paresse é ivresse. O poeta fala da embriaguez que lhe provoca uma cabeleira aromática de mulher e na estrofe citada diz, entre outras coisas, querer mergulhar “nesse doce oceano em que se encerra o outro”. Um verso que termina em caresse(outra rima para paresse) fala da carícia que em seu espírito sutil faz o balanço das vagas. Isso lembra que, numa estrofe anterior, ele havia dito que “Comme d’autres esprits voguent sur la musique, Le mien, ô mon amour! nage sur ton parfum”.
A política de controle do tempo Frédéric Gros
6 de setembro
O capitalismo é uma “cronopolítica”: uma política do tempo. O capitalismo investe e orienta o tempo dos indivíduos de forma a favorecer o aumento de riqueza. Segundo a fórmula de Benjamin Franklin, “tempo é dinheiro”. A cronopolítica compreende, portanto, um determinado número de dispositivos que visam rastrear e impedir todas as formas de preguiça, pois do ponto de vista do capitalismo, a preguiça surge como um tempo vazio, inútil, perdido, estéril. Com base nos cursos ministrados por Michel Foucault no Collège de France, poderíamos distinguir quatro grandes dimensões do capitalismo e mostrar que forma de cronopolítica estaria em ação em cada uma.
O ócio e a construção de si Eugène Enriquez
8 de setembro
Na Atenas do século V a.C., o cidadão livre não trabalhava. Ocupava-se das questões da cidade e da definição da política interior e exterior a esta. Apenas trabalhavam para ganhar a vida os agricultores (mencionados por Hesíodo em Os trabalhos e os dias), os artesãos e os diversos escravos e metecos (alguns de alto nível) que fabricavam, transportavam e consertavam os objetos necessários à vida civil e à tranquilidade da cidade.
O mesmo ocorria em Roma, onde o trabalho era considerado uma tortura (o que nos lembra o famosotripalium), indigno dos cidadãos que usufruíam dootium (termo oposto ao negotium, aos negócios e ao comércio).
Durante toda a Antiguidade, Idade Média e início dos tempos modernos, trabalhar era incompatível com a condição de homem livre.
A Revolução Industrial, a revolução da Independência americana, a Revolução Francesa subverteram essa tradição. O trabalho, ao invés de ser estigmatizado, torna-se o “grande integrador” das novas sociedades que emergiram com essas revoluções.
A partir desse momento, o ócio, o lazer, a preguiça tornam-se marcas de infâmia. Quem não trabalha não tem direito de viver ou, na melhor hipótese, de ser ajudado e ser colocado à margem da sociedade. Basta lembrarmo-nos da famosa parábola “os zangões e as abelhas” do conde de Saint-Simon que é uma verdadeira declaração de guerra aos ociosos, definidos como seres inúteis e nocivos.
Da preguiça como metafísica Renato Lessa
3 de setembro
O bom Santo Anselmo, no longínquo século XI, propôs-se, na obra de abertura da escolástica medieval – o Monologium -, a desenvolver uma prova da existência de Deus não dependente de argumentos de autoridade e da necessária preexistência da crença. Tratava-se de estabelecer, por argumentos racionais e lógicos, a necessidade de Deus, para além de suas manifestações por meio da revelação e do mistério da fé. Para tal, imaginou um truque conceitual, formalizado na expressão “uma perfeição além da qual nenhuma perfeição é possível”. Da inteligibilidade lógica da expressão, passa-se ao domínio da necessidade ontológica: ora, um ser dessa natureza, dotado de uma perfeição além da qual nenhuma outra é possível, não pode existir apenas no pensamento: deve existir também no mundo, sob pena de violar a regra do nec plus ultra. A necessidade lógica faz-se pressuposição de existência.
Proponho-me, nesta reflexão sobre a preguiça, a seguir parte da pista aberta por Anselmo. Desde já, não se trata de provar a existência de nada, muito menos a de Deus, mas de partir da seguinte imagem: “uma preguiça para além da qual nenhuma forma de preguiça pode ser pensada”. A imagem pode ser refeita e posta como indagação: quais os efeitos da aplicação do princípio do nec plus ultra(nada de maior) sobre a idéia de preguiça?
Rousseau e os devaneios do caminhante solitárioFranklin Leopoldo e Silva
14 de setembro
O trabalho, na visão dos antigos, não é um fim em si mesmo; se o fosse, os homens estariam inseridos na necessidade natural como única dimensão da vida. Ora, o ethos humano não consiste na pura e simples submissão à natureza, mas na liberdade: para além doanimal laborans, a dignidade humana se revela no pensamento e na ação sem finalidade técnica. São estas as características pelas quais o ser humano se dá a conhecer a si mesmo, distinguindo-se da exterioridade bruta e da instrumentalidade imediata. A desvalorização do trabalho na cultura antiga provém de uma concepção que torna inseparáveis o pensamento e a liberdade. Disto decorre que a ação, diversamente do trabalho, não se submete à necessidade, mas é da ordem da criação. O que há de mais intrínseco no homem é a política – a ação política (o animal político) –, porque se trata de uma atividade que tem como finalidade o próprio homem: o objeto da política é a humanidade e o significado do agir político é o viver junto. A vida social e a liberdade devem ser uma e mesma criação. Por isso a ação, na sua dimensão ética, isto é, propriamente humana, não pode ser objeto de ciência demonstrativa, para Aristóteles, mas tão-somente do discernimento prático, que releva da sabedoria, mais do que do raciocínio.
O esgotamento da ética do trabalho Vladimir Safatle
15 de setembro
As últimas décadas do século XX confrontaram-se com a consciência paulatina do esgotamento de certos processos até então hegemônicos, de socialização e de formação de disposicões de conduta. Um desses fenômenos mais relevantes de esgotamento diz respeito ao que se convencionou chamar de “ética do trabalho”, com seus desdobramentos psíquicos.
A temática da centralidade da ética do trabalho na formação da subjetividade contemporânea nos remete aos clássicos estudos de Max Weber sobre a maneira com que a racionalidade do capitalismo dependia da criação de um sistema de disposição de conduta baseado em um ethos, em um modo de ser ligado à temática protestante do trabalho ascético. No entanto, tal perspectiva não deixa de tecer articulações com as problemáticas sobre o trabalho como esfera de reconhecimento social, tal como já encontramos em Hegel.
Sobre a virtude da lentidão João Carlos Salles
20 de setembro
Wittgenstein representa uma espécie de conservadorismo. Para começar, não se sentia um homem de seu próprio tempo, mas sim de um tempo pretérito, marcado por outro ritmo, outra cultura, já desaparecida. A civilização ocidental caracterizar-se-ia pela palavra ‘progresso’, de sorte que o progresso seria sua forma, seu norte, sua medida, ocupando-se sempre em construir e tudo subordinando a isso. Como alguém de outro tempo, o espírito da civilização europeia e americana (cujas expressões, afirma em 1930, eram “a indústria, arquitetura, música, o fascismo e o socialismo de nosso tempo”) lhe pareceria de todo estranho e nada simpático.[3][3]Mais então que deslocado o indivíduo, seu olhar é extemporâneo, simplesmente porque filósofo, cultivando objetivos e maneira de pensar diferentes daqueles do cientista. E, com isso, multiplicam-se as tensões.
O leitor preguiçoso Francisco Bosco
21 de setembro
Os textos de vanguarda costumam oferecer resistência. Interferem no ritmo da leitura, exigindo seu retardamento. Fazem-no por erosão semântica – chegando à destruição semântica ou morfológica, em casos mais radicais (do zaoum do futurismo russo, passando pelas glossolalias de Artaud e chegando ao “Roçzeiral”, de Gullar) -, recusa à caução da realidade, contorcionismo sintático, entre outros procedimentos. Embora, estruturalmente, busquem a velocidade – por subtração: cortes, elipses, condensação -, da perspectiva do leitor uma tal operação textual resulta precisamente em seu contrário: a lentidão. Quanto mais o texto economiza, mais o leitor dispende, quanto mais vazios no texto, mais o leitor deve preenchê-los. Os textos de vanguarda afetam, portanto, a temporalidade da leitura, obrigando-a a um ritmo lento, minucioso, concentrado.
Sexo, preguiça, bonheur Jorge Coli
22 de setembro
Tenho vaga intuição que talvez haja alguma coisa a dizer sobre preguiça e sexo, sobre o paraíso que está no ventre feminino. Penso na novela de Maurice Pons, Rosa ou Le bonheur des hommes; penso nos quadros que exaltam o sexo e o ventre feminino (Courbet e o corpo feminino como um convite à preguiça). Preguiça feminina, trabalho masculino. Paixão, ação.
Educação para a preguiça Olgária Matos
27 de setembro
Trata-se de compreender o campo conceitual em que se inscreve a preguiça na contemporaneidade. Da preguiça como carpe diem – como coincidência do ser e do não-fazer –, à preguiça como monotonia e tédio manifestam-se as figuras de Oblomov e de Stakhanov. A preguiça atualiza a questão clássica dos “cuidados de si” e da contemplação, no sentido da consciência da complexidade dos usos culturais do tempo e a necessidade de uma “educação para a preguiça”.
Do tempo perdido na exterioridade do mundo ao ceticismo mitigado na apatia, na ataraxia e na afonia, a preguiça transita do tempo perdido ao tempo reencontrado. Da preguiça como prostração, que sofre o vazio do tempo, à preguiça como tranquilidade da alma, revela-se que o preguiçoso é o artesão do vazio.
Boêmia e malandragem: a preguiça na cadência do samba Maria Rita Kehl
28 de setembro
A preguiça, também chamada entre as classes baixas no Brasil de malandragem, é uma forma de resistência à exploração do trabalho? Antonio Candido, em seu consagrado texto “Dialética da malandragem,” sugere que sim. Manoel Antonio de Almeida teria criado, em Memórias de um sargento de milícias, (…) “um universo que parece liberto do peso do erro e do pecado”. Um universo libertário?
O malandro, segundo Antonio Candido, seria uma espécie bem brasileira de crítico da ideologia capitalista do trabalho. A polêmica entre Candido e Schwarz a respeito do valor político da malandragem será contemplada na conferência.
A degradação do valor do trabalho no Brasil, por conta do vício e da vergonha do longo período escravagista, também. O tema da preguiça não será abordado a partir da literatura, e sim do samba. O samba como expressão da vida dos negros, dos favelados, dos vagabundos e desempregados da cidade do Rio de Janeiro – “homens livres” (e subempregados), “na ordem escravocrata” (ou pós-escravocrata), conforme o título do livro de Maria Silvia de Carvalho Franco.
O samba não tinha prestígio entre os brancos, pelo menos da classe média para cima. Originário das batidas trazidas da África pelos escravos (jongo), misturado por vezes a ritmos nordestinos (embolada), o samba era associado à vadiagem, à malandragem e à promiscuidade reinante entre a ralé da Lapa e os trabalhadores braçais que viviam nos morros.
Madame diz que o samba tem cachaça, é mistura de raça, mistura de cor madame diz que o samba democrata, é música barata sem nenhum valor .
Vamos acabar com o samba, Madame não gosta que ninguém sambe vive dizendo que o samba é vexame pra que discutir com madame? (Haroldo Barbosa)
Este quadro foi bem nítido pelo menos até a década de 1930, quando o rádio passou a divulgar os sambas para fora do morro e dos becos boêmios da cidade, favorecendo o surgimento de sambistas dos bairros de classe média, a começar pelo genial Noel Rosa.
Espero traçar uma bela história da relação, direta ou indireta, entre o samba, a preguiça, a malandragem e a boêmia. O baiano Caymmi, que não pertence à boêmia carioca, não pode faltar. E terminar, como não poderia deixar de ser, com o “hino à preguiça” de Chico Buarque: “Eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã…”
Experiência de improdutividade Guilherme Wisnik
29 de setembro
Nos anos 1960, em meio à intensa fermentação crítica e experimental da contracultura, e na esteira da revisão dos pressupostos modernos, uma série de coletivos híbridos de arquitetos, artistas e pensadores da cultura formularam visões urbanas em que o princípio lúdico assumia o papel de instrumento de desalienação social e existencial. Tal é o caso de propostas como o “Fun Palace” (1961), de Credric Price, a “Instant City” (1969), do grupo Archigram, a “Ville Cosmique” (1965), de Iannis Xenakis, e sobretudo a “Nova Babilônia” (1959-74), de Constant Nieuwenhuys, ao lado das diversas práticas situacionistas de apropriação psicogeográfica do espaço urbano, que ecoam também em outras manifestações artísticas, como na deriva literária de Julio Cortázar (Rayuela, 1963). Fosse pela via irônicapop, fosse pelo caminho do engajamento marxista, ohomo ludens era, então, visto como o antídoto à tecnocracia funcionalista moderna e ao materialismo produtivo.
Sobre inércia e estabilidade Luiz Alberto Oliveira
4 de outubro
Além de uma cosmovisão carregada de poderosas figuras de Espaço, os gregos também nos legaram ao menos três importantes imagens do Tempo. A primeira, a mais arcaica, é Aiôn, o tempo da Eterna Presença que é privilégio dos deuses, e que Jean-Pierre Vernant associa a um momento presente infinitamente distendido e, portanto, perfeitamente imóvel. A segunda, a mais difundida, é Cronos, o tempo da sequência das épocas, característico da vida efêmera dos mortais, e representado pelas sucessões dinásticas. E a terceira, a mais curiosa, é Kairós, o tempo da ocasião oportuna, simbolizado pela estrada que se bifurca, e reservado nos mitos e epopeias aos heróis e personagens trágicos. Quiçá não haja erro excessivo em afirmar que, nas Ciências contemporâneas, está ocorrendo um deslocamento ou desfocamento das linhas de pesquisa, de Cronospara Kairós (e Aiôn).
De fato, um dos fatores decisivos para o desenvolvimento da cultura e economia do Ocidente moderno (hoje ampliadas para todo o globo) terá sido a proeminência generalizada alcançada por Cronos a partir da invenção e disseminação de um extraordinário objeto técnico – o relógio mecânico. Ao referir toda atividade, humana ou natural, à linha artificial de presentes sucessivos encarnada nos movimentos-padrão dos mostradores dos relógios, o tempo Cronal passou a medir os fenômenos da Natureza e a cadenciar as transformações produzidas pelo trabalho, operando o prodigioso feito de coalescer a extensão e variedade talvez infinitas do mundo no infinitésimo abstrato de cada instante. A entronização do tempo Cronal mecânico conduziu à vida mecanizada da Modernidade, abolindo as possibilidades de se cultivar os exercícios mais refinados do espírito, a consideração ponderada de “coisas vagas”, como observou Valéry.
A moderna experiência do progresso Marcelo Jasmin
5 de outubro
As transformações que acompanharam a constituição da disciplina capitalista do trabalho envolveram um sem número de aspectos da vida cotidiana das pessoas, tanto dos camponeses que sofreram radicais alterações em seus modos de vida, como dos habitantes do espaço urbano que viram as suas cidades crescer, em ritmo acelerado, com a implantação de manufaturas e indústrias.
Paralelamente ao desenvolvimento da divisão do trabalho e à inovação tecnológica que aumentavam a produtividade humana pela associação entre uma nova disciplina dos corpos e das mentes em uma crescente especialização e sincronização das tarefas, os habitantes do moderno mundo industrial assistiram à criação e ao refinamento de instrumentos cada vez mais precisos de medição do tempo que, por sua vez, sob a forma da “tirania do relógio”, reforçavam as capacidades de extração de mais valor do trabalho pela redução drástica da sua ociosidade. O tempo-tarefa característico do trabalho camponês e artesão é substituído pelo tempo matemático-abstrato do relógio, perdendo o andamento do trabalho humano as suas referências físicas externas até então tidas como naturais. Dia e noite, sol e chuva, inverno e verão deixam de regular a atividade trabalhadora que passa a ser exclusivamente regulada pela nova disciplina do maquinismo relojoeiro (E. P. Thompson).
Utopia de Itapuã Arthur Nestrovski e José Miguel Wisnik
6 de outubro
A partir de Dorival Caymmi, a apresentação que não é exatamente show, nem propriamente aula, mas uma mistura original das duas coisas: reunindo os talentos musicais, literários e acadêmicos do compositor, cantor e pianista (e professor da USP) Zé Miguel Wisnik – reconhecido como um dos nomes de ponta da música brasileira – e do compositor, violonista, crítico e escritor (e editor da PubliFolha) Arthur Nestrovski, o espetáculo traz uma seleção de canções, de Wisnik e outros autores (incluindo o próprio Nestrovski), entremeadas de conversas sobre vários assuntos. Da formação do cancioneiro brasileiro ao artesanato de letra e música.
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