Texto curatorial

Texto curatorial

por Lilian Sais*

Canções de retorno embalam o imaginário da civilização ocidental. Século após século, muito se discute, por exemplo, a Odisseia, de Homero, que narra o retorno de Odisseu depois de finda a Guerra de Troia. Sua longa viagem de retorno, de Troia a Ítaca, sua terra natal, levou dez anos. Parece muito tempo para uma viagem de volta. Mas e se o retorno levar muito mais tempo que isso?

Baleias estão entre os seres mais enigmáticos e fascinantes – e, para alguns, aterrorizantes – de que temos notícia. Elas foram praticamente reinventadas pela evolução. Há mais de 40 milhões de anos, tinham quatro patas e andavam sobre a terra. Seja pelo tamanho ou pela inteligência, são seres sem paralelos. As baleias são superlativas. Trazem em si mundos que nos são inacessíveis e perguntas que ultrapassam a nossa existência. Elas são o Outro. 

Nas obras de Olívia Viana, encontramos o outro lado da moeda, o momento em que todo o poder de uma baleia parece ser automaticamente retirado de si: quando, milhões de anos depois, elas perdem o caminho de ida ou de volta em suas rotas migratórias e cumprem o retorno ao ponto de partida ancestral, a superfície da Terra. 

Nesse caso, cumprir o retorno é perder o retorno. Hoje em dia, livre de patas, poucas coisas representam tão bem a impotência como uma baleia encalhada. Impotente a baleia, diante da terra. Se muito grande, a sua própria imensidão pode aniquilá-la, a força da gravidade fazendo com que o peso da baleia esmague seus órgãos. O sol queimando a sua superfície, que não é adequada para ficar exposta. Aquele ser enigmático e fascinante virando, pouco a pouco, uma massa sem forma. 

No entanto, cabe lembrar que as baleias não estão sozinhas nessas telas. Estão rodeadas por nós, seres humanos – e impotentes nós, diante da baleia. Uma baleia? Uma carcaça? Uma urgência. Quanto maior a baleia, maior o desafio. Salvá-la? Matá-la? Removê-la? Como, e a que custo? O que fazer quando os mistérios do fundo do mar ancoram na sua praia, ao lado da sua casa? Qual a ação a ser empreendida? 

A impotência humana diante de uma baleia encalhada não difere muito da impotência humana diante da morte. Artista é quem silencia para ouvir o mistério que há nas coisas. É isso que Olívia parece fazer. Quando vivemos um momento extremo, do retorno impossível, Olívia une vozes, da inteireza do impossível ao paradoxo estendido na areia, e nos convida a compor um coro suspenso na superfície do espanto. 

 

*Lilian Sais é poeta, ficcionista, roteirista e produtora de podcasts.

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