O fim do mundo tem sido assunto recorrente nos últimos tempos. A emergência climática, os conflitos bélicos e os embates ideológicos têm trazido o tema do apocalipse à vivência dos dias e ao pensamento sobre como a humanidade ocupa o planeta. Não é diferente na arte, uma vez que tudo o que afeta a experiência vivida alimenta a criação. E, quando pensamos no fim, muitas vezes nos voltamos para o começo.
A arte rupestre é, até onde sabemos, a primeira manifestação expressiva feita por nossos antepassados. Na narrativa hegemônica da história da arte, estabeleceu-se o “nascimento” da pintura em cavernas na Europa, até que estudos recentes encontraram registros ainda mais antigos na Indonésia. De qualquer modo, pouca importância tem sido dada à arte rupestre no Brasil. Pesquisadores lutam para que sítios arqueológicos nacionais sejam valorizados e recebam as devidas iniciativas de conservação.
É exatamente essa arte primeva, presente em diversos sítios arqueológicos do país, alguns dos quais em Minas Gerais, que motiva a exposição de Higo José, dando margem a paradoxos interessantes. Ao caráter de eternidade das figuras originais, feitas sobre pedra, os bordados de Higo respondem com a efemeridade do tecido, a maciez da linha e a qualidade diáfana do suporte. Seus bichos são reorganizados seguindo padrões que o artista elege, numa espécie de catalogação própria sem compromisso com metodologias científicas, mas privilegiando intenções compositivas. Por vezes, as figuras são dispostas espaçadamente; em outras, Higo usa sobreposições, uma estratégia que, nas pinturas pré-históricas denota diferentes gerações de criadores e que, contemporaneamente, aparece na arte urbana com o nome de “atropelamento”, no jargão do pixo.
Artefatos tridimensionais também ganham releituras. Pontas de lança e machado neolíticas são reelaboradas em formas mais orgânicas e curvilíneas revestidas de lã. Imagens de animais são recriadas nos tons terrosos do barbante. Uma instalação que se assemelha ao resquício de uma fogueira participa do conjunto. Essa é a única obra que não remete à fauna daqueles tempos, mas ativa na memória o hábito da reunião para a partilha, tanto das experiências como do alimento.
A exposição está concebida para emular um museu dentro de um museu – como se Higo assumisse a persona de um arqueólogo responsável por apresentar, didaticamente, vestígios de uma era remota. Mas, aqui, as peças foram criadas por um artista do século XXI, usando materiais industrializados cuja invenção o homem pré-histórico jamais poderia imaginar. Separados por milhares de anos, o artista primordial e o artista contemporâneo compartilham, por mais distintas que sejam suas motivações, uma atividade exclusivamente humana: a criação de formas simbólicas a que damos o nome de arte.
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